Narciso chega à praia
( 10/01/2022)
Estava na praia de Buzios ( RN) desfrutando de um mar quente e calmo quando uma cena que vem se tornando comum depois do fenômeno dos telefones celulares chamou minha atenção. Duas mulheres com idade provável de trinta anos entram no mar. Pensei comigo mesmo que duas outras pessoas iriam também se deliciar com o mar e sentir o prazer das águas mornas e aveludadas em torno do corpo. Que engano ! Elas, em nenhum momento, notaram o mar. Dedicaram-se a fazer poses e mais poses para fotos durante 15 a 20 minutos. Alternavam-se na difícil tarefa de produzir “aquela “ foto glamorosa, capaz de seduzir a todos. O esforço que as duas faziam – levantando os braços, jogando o cabelo de um lado para o outro, sorrindo de forma sedutora – traduzia o desejo mais secreto de mostrar-se linda para os outros que certamente logo teriam acesso às fotos em tempo real. Tratava-se, na verdade, de produzir a foto “espetáculo “ que por si só seria capaz de atestar a felicidade. Após a sessão de fotos apressaram-se para sair de volta à areia e, certamente, para enviar as fotos para suas redes sociais. Agora, era hora de mostrarem-se ao mundo! Em um click, a conexão em tempo real com amigos reais e imaginários que as redes sociais propiciam. Ao sair do mar, imersa nesses pensamentos, deparei-me com cena idêntica. Agora, era um rapaz forte, com muitos músculos à mostra, que segurando o celular com uma mão tentava também capturar o seu salto seguido de um urro, certamente para demonstrar energia, vigor, força..... Fazia um esforço tremendo para igualmente registrar o seu momento de felicidade, repetindo os saltos e urros. Diante das cenas fiquei a pensar como o mundo digital pode ser irreal, ilusório, mistificador da realidade. Fiquei a pensar também como “ os outros”, muitos deles “ amigos” fabricados nas redes sociais percebem as imagens que lhes chegam cotidianamente – alegres, felizes, em locais bonitos ! Como tais imagens convivem com seu dia a dia, nem sempre bem sucedido e às vezes triste, problemático, infeliz. Essa dissintonia talvez explique o número cada vez maior de pessoas com depressão, infelizes, perturbadas e que não sabem aproveitar as coisas simples que a vida oferece – nesse caso, o mar imenso de águas mornas e límpidas e, muito menos, lidar com as dificuldades naturais da vida. Não seria mais fácil usufruir de um belo dia de sol na praia e deixar que as aguas mornas lhes trouxessem uma sensação de relaxamento e bem estar? o.