Barcelona. Junho. Verão. Meio dia: calor, sol à pino, praia. Chiringuito: tablado de madeira sobre a areia, beira-mar, mesinhas com quatro cadeiras, guarda-sol branco, de tecido, em cada uma. Pequeno espaço fechado com balcão, bebidas à vista, prateleiras, vendedora para os pedidos, entregas, dinheiro. Barzinho de praia. Clássico. Nosso velho conhecido do Brasil.
Encosto no balcão: - “um whisky com gelo, por favor”. A jovem vendedora atende. Serve o Ballantine’s que prefiro. “Quanto custa?” Informa. Pago e escolho um lugar pra sentar. Tomo o primeiro gole. Desfruto. O liquido gostoso desce goela abaixo. É bom...
E aí elas chegam. São duas: jovens, dezoito, dezenove anos... se muito. Opulentas, lindas, morenas, cabeleiras médias castanhas, nem curtas nem longas, com fios prateados entremeados, pernas e corpos magníficos. Vagarosamente, meticulosamente, cuidadosamente, como só as mulheres sabem fazer, estendem as toalhas na areia. Uns seis metros mais ou menos de onde estou. Por trás de meu Ballantine’s procuro ser discreto. Observo... Sentam. Arrumam um lugarzinho para as sacolas. Tiram as blusinhas e os shorts diminutos. Ficam de biquíni. A da esquerda, pouquinho mais distante de mim, dobra os braços por trás das costas, pega no fecho do sutiã. - “Ai meu Deus, será?”, pergunto silenciosamente para mim mesmo, o velho atraso cultural brasileiro e nordestino se manifestando. Não há dúvida: o fecho se abre e dois peitos magníficos, jovens, eretos, pulam pra fora, maravilhosamente expostos ao sol. Lindos de morrer!
A outra jovem, sentada mais perto de mim, que me parece ainda mais “gostosa”, apenas fica sentada, sem fazer nada, observando o movimento de pessoas ao redor, na praia apinhada de gente. Fico a pensar que é mais conservadora. Sociólogo e psicólogo de botequim começo a desenvolver mentalmente teorias explicativas de comportamentos sociais e individuais. De repente, como se mandasse às favas as minhas hipóteses explicativas de comportamentos, a jovem repete os mesmos procedimentos realizados há pouco pela companheira e seus dois seios esplêndidos, duros, arrebitados, saem - orgulhosos e confiantes- para fora. Meu Deus! Que coisa linda! Beleza pura!
Volto a me concentrar em meu Ballantine’s. Esqueço as meninas, que afinal têm idade para ser minhas netas. Passo a observar a praia, cheia de gente, e vejo que não são apenas as jovens, mas também senhoras de meia idade e idosas, que se expõem ao sol sem a parte superior do biquíni, completamente desinibidas, naturais, sem nenhuma preocupação ou preconceito se seus seios estão flácidos ou não, belos ou não, velhos e enrugados ou não. É um comportamento coletivo comum, sem qualquer pretensão de exibicionismo ou outra coisa, somente de busca simples de uma vida de mais beleza e saúde. De parte dos homens que estão na praia, jovens ou velhos, não há o mínimo interesse ou curiosidade especial pelo fato de que as mulheres estão com os seios à mostra. Observo que um homem jovem, menos de trinta, calça cinza e camiseta escura colada ao tórax forte, barba negra de alguns dias por fazer, passa pelas duas jovens de antes, sentadas na areia, de seios à mostra, e mal lhes concede um rápido olhar. Indiferente.
Recordo da sociedade socialmente repressora da minha juventude, do meu Recife, onde a mínima exposição da mulher era objeto dos mais ácidos olhares e comentários, às vezes maldosos e infamantes. Ainda hoje, em meu Nordeste brasileiro, nenhuma mulher – jovem ou idosa – se arriscaria a expor seu busto nu em uma praia – a não ser em praias exclusivas de nudismo - certa de que seria objeto da mais agressiva invasão de sua privacidade e com certeza taxada de exibicionista vulgar, ou outro nome ainda mais pejorativo do comportamento feminino, como prostituta por exemplo.
Constato, consternado pelo atraso cultural do meu país, que a Espanha de hoje, pouco mais de trinta anos depois do predomínio da moral católica e franquista, quando o comportamento sexual humano foi objeto da mais severa repressão e obscurantismo – dava cadeia o beijo na boca nas ruas e praças e a mini-saia era proibida - deu passos imensos para a liberação social de suas mulheres, agora em situação de gozar cada vez mais, de forma livre e independente, sua real condição feminina.