Arlete & Djalma

Paraíso dos Arquitetos

Autor: Djalma Freire

Barcelona é o paraíso dos arquitetos. Eles estão em todo canto da cidade. São presença constante e inseparável do ambiente urbano. Desde a organização da cidade, da estrutura urbana, do traçado das ruas e avenidas, da presença de praças, da arquitetura dos prédios. Antigos e novos. Nenhuma outra cidade da Espanha tem a marca dos arquitetos tão presente, tão forte e inconfundível como Barcelona. Certo, de acordo, não precisamos brigar! Em outras cidades espanholas os arquitetos imprimiram também a sua marca, assinalaram a sua presença. Mas não do modo como o fizeram em Barcelona. Talvez seja a herança de Gaudi, o formidável criador da Igreja da Sagrada Família, do Parque Güell e de outras notáveis obras arquitetônicas que se espalham pela cidade. Ou de outros criadores de formas plásticas, mais contemporâneos, igualmente importantes, com contribuições singulares no ambiente urbano. Gaudi alcançou indiscutivelmente um aplauso unânime. Sua concepção arquitetônica é bem expressa na Sagrada Família, uma igreja diferente de todas as outras, antigas e modernas. Suas torres arredondadas e pontiagudas – serão 18 no final da obra – projetando-se para o alto como se quisessem alcançar o céu; suas fachadas cheias de reentrâncias e formas particulares – as duas, a da Natividade e a da Paixão – marcadas igualmente por coloridos diversos e contornos surpreendentes, deixam qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade artística, completamente extasiado. É estranho e lindo! A igreja, que já se constrói há muitos anos, continua inacabada. A visitei pela primeira vez há uns quinze anos. Mas hoje, a um olhar leigo como o meu, parece que não mudou nada, praticamente não se avançou coisa nenhuma. Ali continuam os andaimes e as gruas de sempre, algumas se alçando muito ao alto, acima das torres. E tudo semelha como se houvesse atividade e construção. Informam que os novos arquitetos trabalham com os desenhos e orientações deixados por Gaudi. E afirmam os materiais publicitários que a igreja estará concluída até 2026, a tempo de celebrar o centenário da morte de Gaudi. Duvido. Pela admiração e fascínio que a obra desperta, especialmente nos visitantes estrangeiros, e pelo número deles que a visita diariamente, pagando todos um valor expressivo pelo privilégio da entrada, desconfio que não se vai acabar nunca. Prá que? Seria burrice! A atração e o interesse também crescem com a história de uma obra que parece misteriosa, algo que não termina, e em que cada um aposta se vai ser, quando concluída, fiel ou não ao projeto original de Gaudi. Depois, há o Parque Güell. Aí é um espaço grandioso, moldado com cores e formas inovadoras, presidido pela célebre salamandra – o símbolo internacionalmente conhecido do parque – concebida de maneira inusitada e plasmada com pastilhas cerâmicas coloridas, num mosaico surpreendente. Uma bela loucura! Alguma coisa que você gosta, e não tem vontade de sair nunca mais. Pois bem, tudo isso parece ter marcado o imaginário da cidade, e aberto uma larga via para os arquitetos. Tomemos por exemplo a organização urbana. Ela é cortada transversalmente, de cima a baixo, em toda a sua extensão, pela Avenida Diagonal. Coisa de arquitetos! É um enorme eixo, que parte a cidade em duas bandas, e tudo pode ser referido a ela, como situado à sua esquerda ou à sua direita. Há bairros inteiros, alguns mais antigos e outros mais novos, integralmente concebidos por arquitetos e ordenados para servir a fins específicos. Aqui, na urbe barcelonesa, não se faz quase nada sem a presença e a autorização deles, sem que metam a sua colher. O bairro onde resido, o Poblenou, é uma boa referência. Antigo bairro operário da cidade e zona industrial tradicional, sede de grandes fábricas têxteis, com muitos prédios residenciais velhos e de baixa qualidade, hoje está sendo transformado. As fábricas foram retiradas e levadas para zonas fora da cidade e em seu lugar, nos enormes espaços antes ocupados, estão sendo erguidos prédios modernos, residenciais e comerciais, hotéis de luxo e centros de compra. Das antigas fábricas – e este é um detalhe interessante que evidencia a preocupação com a memória histórica e a sensibilidade estética – restaram as chaminés, restauradas em seus ladrilhos originais, sem pintura. O efeito plástico é sempre notável: muitas vezes à frente de um prédio moderno, num forte contraste, ergue-se uma antiga chaminé de fábrica, definindo um conjunto de grande beleza arquitetônica. Uma coisa admirável é a preocupação com a humanização do espaço público. Em quase toda a extensão da Avenida Diagonal há um calçadão central, com árvores e bancos espalhados em sua extensão e um corredor para ciclistas. É comum ver-se grupos de cidadãos, especialmente mais idosos, sentados nos bancos ou apenas passeando, gozando uma manhã de sol ou um fim de tarde mais agradável. Tais espaços são comuns em toda a cidade, cheia de “ramblas” – largos calçadões para pedestres, no meio da rua, ladeados, à esquerda e direita, pelas faixas de trânsito de veículos. Aqui é “rambla” prá tudo quanto é lado: Rambla de Catalunya, Rambla do Raval, Rambla do Poblenou… Depois os passeios, que cumprem as mesmas funções das ramblas, também distribuídos com generosidade por toda a cidade: Passeio de Grácia, Passeio de Sant Joan, Passeio de Picasso… Isso sem contar, os diversos parques e praças, que são muitos, todos favorecedores do encontro, tão necessário à sociabilidade humana. A esse respeito, chama atenção o que se vem fazendo com os novos espaços onde prédios modernos são construídos. Você vê um conjunto de prédios em construção e logo percebe que, em área externa a eles, disponível e aberta a qualquer um, há sempre um grande espaço de lazer, com bancos e outros equipamentos de uso coletivo. Talvez uma exigência municipal. Fico pensando em muitas cidades do Brasil, onde as empresas utilizam a sua área de propriedade urbana quase integralmente, deixando sem construir apenas um pequeno espaço de recuo obrigatório junto à calçada pública. E onde a área de lazer, quando existe, é sempre interna e propriedade exclusiva dos condôminos. Outra coisa interessante é a forma dos novos prédios. Ah, aqui os arquitetos deitam e rolam. Imagine que há uma boa área urbana, e um empresário quer erguer um prédio. Chama um arquiteto e pede um projeto. Diz que deseja um prédio de formas simples, retangular, para aproveitar bem a área. Você acha que o arquiteto vai lhe entregar o projeto de um edifício retangular, meio “quadradão”, tal como você pediu? Bom, a coisa não é tão simples assim. O arquiteto pode lhe entregar o projeto de um prédio retangular, com uma fachada moderna, envidraçada. Todavia organizado de forma particular. Num prédio de vinte andares por exemplo, ele pode propor os primeiros oito andares normais,retangulares, ocupando toda a área térrea disponível. Todavia os cinco andares seguintes podem ser deslocados para a direita, digamos uns quatro metros. Os quatro andares seguintes acompanham o alinhamento dos oito andares iniciais, situados na base e finalmente os três últimos se deslocam para a esquerda, de novo uns quatro metros. E aí uma forma incomum é projetada e construída. Ou seja, a coisa é mais complicada. As formas mais inusitadas são propostas e aceitas. Próximo à minha casa, na Avenida Diagonal, há um prédio de uns quarenta andares, na forma de um obus de canhão, sede da companhia de água da cidade. É todo envidraçado externamente, com vidros em forma de escamas, como se fora um peixe, separados uns dos outros por alguns poucos centímetros, circundando todo o prédio, da base larga ao topo afunilado. À noite, luzes coloridas acendendo e apagando terminam fazendo os desenhos mais diversos, numa profusão de cores. O efeito é extraordinário. O prédio, que achamos estranho durante o dia e que inicialmente não gostamos, à noite nos encanta e seduz, reduzindo, com a magia de sua dança de cores, o stress acumulado no esforço diário. Bom, é isso. Gostemos ou não, Barcelona é assim: o paraíso dos arquitetos.

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